Na sua lama
Lama sua
Sua
Minha lama sua
Suas mãos
Suam
Para salgar salobra
Silva
Som nas raízes
Sibila
Solta suando salitres
Sonâmbula
Desliza
Desaba
Deságua
Lama úmida
Também quero ser fértil.

Antes que eu caminhasse no macio de mãos dadas com a criança meus pés se encheram de espinhos. Era fim de tarde e o sol já não mais queimava. Livramento é uma ilha onde no mergulho pode-se enxergar a escuridão profunda.

Depois a cobra nadou naquele pântano
e não pudemos mais ver onde era o fim e o princípio.
A roda era uma só.


Se na lama do mangue, dos pântanos, estamos no reino de Nanã, das mães primeiras, o pacto está selado. Auto-geratrizes fazemos da queda uma dança. Para entrar na lama é preciso estar nua de mãos dadas com uma criança-serpente e uma velha, há que caminhar vagarosamente como para não atrapalhar um sonho ancestral. Na lama é onde se tecem os sonhos, alimento primeiro da vida. Aqui onde a gente se deita é o lugar de uma calma densa. É onde podemos esperar a maré subir num instante onde o que era úmido se encharca e agora o corpo desliza sobre um espelho preto.



[a obsidiana é uma pedra de lama vulcânica que arrefece e vira espelho preto para enxergar passado, presente e futuro]
Respiramos, nos olhamos e firmamos o desejo de ser memória de tempo lameado. feito aquele dia em que andamos e cruzamos linhas inventadas, sentimos o sol de nossas peles, andando nos fins do mundo. no cu do mundo, território que faz lembrar do poder que é ser rígida como prismas de cristais y maleável as forças das águas como os manguezais. fechamos os olhos, pedimos para nos lembrar dos antídotos. lembrei que somos a matéria escura do mundo, a fissura no tempo, os portais, caçadora y pescadora. tive sonhos capoeira, tive sonhos cor de Luanda.
A queda na lama

Entre a terra e a água um inconstante atrito entre o salgado e o doce.
O ar permeia as marés que banham as margens, entre o mar, o rio e a costa, entre os mundos onde a lama fertiliza a vida e a morte com o fogo do espírito. Da lama se cria vida no interstício de água e terra, se criam corpos ao som de raízes suspensas e carapaças de Aratu*. Elementos que friccionam a alma com o mundo material, que é sujeito às marés da vida. Vida e morte como ecossistema marginal, onde não é possível enxergar com os olhos, o espaço entre a estrutura das partes de um todo, somente é possível enxergar através do toque entre corpo, mar e terra, entre eu e você.
O som de capoeira fez transição depois das águas do atlântico, o som fertilizou o encontro, encontro que nunca aconteceu em Angola, som entre caxixi e berimbau, entre eu e vocês, entre nós e nossos mais velhos. O som do novo ciclo entre dança, espírito, corpo e tambor.
Ginga de Aratu.


*ara'tu - Tupi - (O som que o caranguejo faz quando cai das raízes suspensas na lama do mangue.)